sexta-feira, 3 de junho de 2011

UM DÍVIDA DE AMOR

"Perdoa as nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos nossos devedores" (Mateus 6:12).

Augusto Cury, médico, psiquiatra, psicoterapeuta, pós-graduado em Psicologia Social e escritor, escrevendo sobre o texto acima no seu livro " Os Segredos do Pai-Nosso 2", conta a história da vilã que se tornou heroína. Assim ele diz:

"Certa vez, P.M., um homem de 40 anos de idade, expressou para mim a raiva, indignação e repugnância que sentia ante os comportamentos de sua mãe. Ele tentara perdoá-la a vida toda e esquecer as ações dela que o feriram, mas não conseguira.
Ser refém do passado é mais difícil do que ser refém de um sequestrador, de um ambiente profissional opressor ou de um casamento conflitante. Pode-se fugir do cativeiro, mudar de emprego e divorciar-se, mas ninguém consegue escapar de si mesmo. Por mais que P.M. se esforçasse, as mágoas permaneciam e as imagens do passado o assombravam.
Ele era prisioneiro de suas janelas killer (zona de conflito no inconsciente). Como não tinha sensibilidade para interpretar os comportamentos da mãe, qualquer coisa que ela fizesse o desapontava. Era impaciente, intolerante e injusto com ela. Mas tinha receio de tocar nas causas que alimentavam sua relação fragmentada.
É impossível enterrar um passado não resolvido. É preciso enfrentá-lo para livrar-se do fantasma que assombra e controla. Consciente disso, P.M. decidiu começar a fazer um inventário da sua história. Aos poucos tomou coragem para entrar nos vales amargos das suas frustrações, dissecar as artérias principais da sua infância e falar sobre ela.
Seu pai abandonara sua mãe quando ele era pequeno. Isso lhe causara uma grave ruptura. Mas o drama não parou aí. Sem profissão com que pudesse garantir seu sustento e o do filho, a mãe começou a se prostituir. P.M. viu muitas vezes homens entrarem na intimidade do quarto da mãe e ouviu os sussurros da relação sexual. Aqueles sons construíram zonas de confritos no seu inconsciente. Tinha vontade de matar todos. Sentia-se vítima de um pai carrasco, de uma mãe vilã e de homens estranhos que violavam seu mundo sem pedir licença.
Ao resgatar a dolorosa história e começar a repensá-la, P.M. deixou de se posicionar como o um miserável abandonado pela sociedade e por si mesmo. Passo a passo, começou a aprender a interpretar a história de sua mãe através dos olhos dela, a partir das dificuldades que ela enfrentara.
Ao olhar sob essa perspectiva, foi sentindo compaixão e solidariedade. Aos poucos começou a entender por que todos os seus esforços para perdoar a mãe não funcionaram.
Ao longo do tempo, P.M. melhorou, mas não o suficiente. Filho e mãe ainda estavam muito distantes, famintos de aproximação. Para isso, precisavam romper barreiras, rasgar a alma, ter um encontro solene um com o outro.
Como tocar no assunto? Era constrangedor, mas necessário. P.M. não podia atuar como juiz da mãe e não possuía nenhum elemento concreto para ser seu advogado de defesa. Ele é que se sentia vítima de um passado cáustico, frio, seco, que não tinha escolhido.
Não era possível abandonar suas frustrações, mas era necessário administrá-las para poder falar sem acusar a mãe. Certo dia tomou coragem e procurou-a, dizendo que precisava ter um diálogo aberto que seria muito importante para o futuro dos dois.
Ela aceitou. Pela primeira vez falaram sobre um passado dilacerante e intocável. O tempo parou, lágrimas copiosas de uma mãe machucada e de um filho ferido percorreram os vincos dos rostos, procurando encontrar um oceano de paz.
Foi um diálogo transparente, afetuoso e regado a compreensão. Enquanto penetravam nas entranhas de suas histórias, o fenômeno RAM (registro automático da memória) ia arquivando essa experiência nos locos das janelas killer (zona de conflitos do inconsciente). É impossível apagar o passado, mas ele foi reeditado, reescrito, vivenciado de uma nova forma. Não seria esquecido, mas não perturbaria mais da mesma forma.
Quando o filho falou dos homens estranhos que entravam no quarto da mãe, dos sussurros que ouvia e do ódio que sentia, a mulher caiu em prantos. Com a voz embargada, tocou pela primeira vez no assunto. Disse-lhe que violentara seus valores, esmagara sua auto-estima e se prostituíra para não vê-lo passar fome. "Meu filho, enquanto me prostituí
a
, eu chorava por dentro, mas você era mais importante para mim".
Foi a vez de o filho chorar copiosamente. Diante dele estava uma mulher com quem ele convivia, mas que não conhecia. Só depois de se nutrir do diálogo, da segurança, da humildade e da transparência passou a conhecer a mãe. Décadas de dor poderiam ter sido evitadas se ele tivesse se nutrido antes. Mas nunca é tarde para recomeçar.
Percebeu que tinha com a mãe uma dívida que nunca saudara, uma dívida de amor. A vilã se tornou heroína. A mulher frágil passou a ser vista como forte. A mulher de quem o filho tinha vergonha passou a ser motivo de orgulho. Mãe e filho se descobriram e se perdoaram.
A grande maioria das famílias modernas se tornou um grupo de estranhos. Poucos de seus membros se conhecem em profundidade, embora sejam excelentes para tachar, julgar, criticar, apontar erros. Dizem amar-se uns aos outros, mas não sabem dialogar, expressar afeto, solidariedade, tocar a vida com confiança. Estão famintos e endividados.
Por trás de atitudes interpretadas com repugnâncias pode estar escondido um amor sublime que só olhos que penetram além dos comportamentos visíveis são capazes de enxergar. É preciso nutrir o psique para traduzir o invisível".

Augusto Cury. Trecho do livro " A sabedoria nossa de cada dia - Os segredos do Pai-Nosso - 2

Contato: adolpho Salgado

Um comentário:

  1. Na Parábola do servo impiedoso Jesus diz: "Irado, seu senhor entregou-o aos torturadores, até que pagasse tudo o que devia.Assim também lhes fará meu Pai celestial, se cada um de vocês não perdoar de coração a seu irmão" (Mateus 18:34-35)"Não devam nada a ninguém, a não ser o amor de uns pelos outros..." (Romanos 13:8).

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